14 outubro 2014

04 dezembro 2009

Mulheres que Amo - Foi o Destino

Primeiro, me desculpem por estar demorando tanto para postar. Compromissos, compromissos... e falta total de idéias. Vamos ao que interessa... esta semana o texto fala de sonhos de princesa e cavaleiros de armadura... que enferrujam e envelhecem, passando a encontrar a realidade de frente. Uma colisão digna de dias de feriado. Leiam e espero que gostem.



Conheci a Fabiana no inicio do Segundo Grau. Ela era o que nos chamamos hoje em dia de: 'mulherzinha'. Sonhava com o casamento desde que passou a compreender a relação homem e mulher. Ela acreditava ser a própria Cinderela, só faltava o príncipe encantado, que se materializou no corpo do Paulo.
Paulo era o senhor popular de nossa época. Atleta do time de futebol e de boxe, também vinha de família rica, formada por engenheiros da construção civil, carreira, é claro, que ele iria seguir, tradição de família. Paulo com 16 já havia namorado algumas das meninas mais bonitas do colégio e do bairro dele. Todas passageiras, nos dias de hoje, 'ficantes'. Na época chamávamos as meninas por outros nomes, basicamente por inveja, mas vai fazer o quê.
Fabiana, como todas as cem outras meninas bonitas do nosso colégio, se apaixonou perdidamente por Paulo. Este nem ao menos sabia que ela existia. Até acontecer aquele encontro mágico, onde um olha para o outro e vê algo inexplicável, que apenas é possível sentir entre eles. Se apaixonaram, ele largou até uma das meninas da equipe de ginástica, que tinha um corpo, uau. Era o destino! Era o amor!
O namoro aconteceu apenas no nosso último ano de colégio, época de vestibular. Os pais queriam até tentar segurar o fogo do casalzinho, para não atrapalhar os estudos, mas amor igual aquele, não aconteceu em toda a história do colégio da nossa época. Era certo, consequência imediata: casamento. A coisa era tão séria, que ao falarmos com ele sobre casamento, ele nem desviava do assunto. "Vai ser depois da formatura, até lá já tenho um apartamento para vivermos juntos." Filhos? "Um casal!" era a resposta na lata dele. Era o amor! Não é lindo?
Tudo aconteceu como descrito nos contos de fadas, ambos passaram no vestibular, para a mesma Universidade, cursos diferentes. Ele fez Engenharia Civil. Ela fez nutrição. Em quatro anos estavam formados. Ele no último ano já trabalhava com o pai, ela, pelo contrário, resolveu não fazer estágio, pois tinha que cuidar dos assuntos do casamento e cuidar do apartamento onde criariam o seu ninho de amor.
A cerimônia de casamento foi a mais bonita que já fui na minha vida. Realizada no pátio do melhor clube da Ilha do Governador, em um belo dia ensolarado de novembro. O sol de fim da tarde e a brisa marítima compuseram o ambiente idílico perfeito para embalar os sonhos de ambos. Toneladas de fotos foram tiradas para lembrarem sempre daquele momento mágico sem par em suas vidas. Ambos, eram a estampa da total felicidade. Ele nem parecia um homem preocupado com o início de uma vida adulta e atribulada, estava completamente entregue ao amor que sentia pela bela Fabiana.
Após o casamento, nossas vidas tomaram rumos completamente diferentes e não nos vimos mais. Anos depois, no supermercado, vi Fabiana fazendo compras com uma garotinha de uns seis anos de idade correndo ao seu redor. Com certeza, era filha dela com o Paulo. Chamei, acenei. Ela, ao me ver, veio correndo com o carrinho e me cumprimentando, como nunca tivéssemos deixado de nos falar. Terminamos nossas compras e resolvemos fazer um lanche e relembrar os 'bons e velhos tempos'.
Adoro crianças, por este motivo, enquanto Fabiana levou as compras pro carro, fiquei brincando com a bela menina. Seu nome era Simone e olhando-a de perto, achei que não tinha nada haver, nem com Fabiana e nem com Paulo, mas o que eu entendia deste tipo de coisa. Fabiana voltou, sentou e pediu um chope, para minha primeira surpresa. Nunca antes havia visto ela beber uma bebida alcoólica, nem mesmo ponche. O chope chegou e ela sorveu um gole de bebedor experiente. Quase dei uma gargalhada. Ela percebeu e sorriu.
Perguntei pelo Paulo e disse que a filha deles era linda. "Não é filha dele!" Quase engasguei com o pastel que estava comendo. Acho que um pedaço de carne foi bater no braço dela. Ela, percebendo o quanto eu estava aturdido, explicou: "A Simone é minha filha com o Eduardo!" Eduardo... e quem diabos é Eduardo?! "Eduardo é meu segundo marido! Bem... segundo não... tá mais pra quarto, mas os outros não contam, pois só namorei e morei um tempo com eles." E o Paulo?! "Não tenho a menor ideia, desde que nossa filha mais velha foi morar sozinha, nos Estados Unidos, não nos falamos mais." Ela começou a rir e bebeu seu chope até o final. Ali, tive certeza... aquela não era a Fabiana. Clone? Sósia? Gêmea? Ou sei lá mais que possibilidade louca um escritor de ficção poderia escolher, mas, definitivamente, aquela não era a Fabiana.
Então, ela deu uma resumida na vida que percorrera até chegar ali, quase vinte anos depois da última vez que nos vimos. Ela e Paulo viveram o 'felizes para sempre' por um ano inteiro. O mundo parecia perfeito, até as primeiras brigas começarem. As discussões eram um caso à parte. As diferenças entre eles pareciam irreconciliáveis. Com um ano e meio, chegaram mesmo a se separar. Cada um foi para um lado, mas resolveram voltar e se arrependeram de tudo que disseram e fizeram. Eles se amavam e não podiam jogar aquilo fora por causa de umas discussãozinhas bobas e infantis.
Veio, então, a primeira e única filha que tiveram. Entraram em um novo período de 'amor perfeito', mas que, na verdade, era o 'amor perfeito' pela bela princesa que haviam tido. O sentimento que ambos haviam experimentado na juventude e no período da faculdade... não existia mais. Mas 'empurraram com a barriga' o casamento. Este durou mais uns cinco anos, até que ficou impossível viverem juntos.
O fim do casamento, desta vez, não trouxe arrependimentos. Trouxe sim, muita mágoa de parte a parte. Acabaram usando a filha como instrumento de tortura um com o outro, pouco se importando com o 'imenso amor' que sentiam por ela. Houve até uma tentativa de reconciliação, quando Fabiana teve o primeiro namorado após a separação. Paulo implorou para voltar e disse que não podia viver sem ela e que ela era seu amor eterno. Voltaram e o 'amor eterno' durou apenas seis meses, com ele mesmo pegando as coisas e saindo de casa. Desta, não teve mais volta.
Não houveram mágoas e nem brigas por causa da filha. Cada um seguiu seu caminho e passaram a se encontrar apenas nos dias de visita. Com os namoros de parte a parte, nem nos dias de visita se encontravam. Élida cresceu rápido e passou a ficar distante de ambos. Até que com 14, conseguiu um intercâmbio nos Estados unidos e convenceu aos dois, que se mudaria para lá. De agora em diante, passaram a vê-la apenas nas férias. Nos dois últimos anos... nem isso. A filha e eles... eram completos estranhos.
A última notícia que teve de Paulo, foi que ele havia casado pela segunda vez, mas não sabia com quem e nem ao menos onde morava. "E pra falar a verdade, não tô nem aí pra isso!" Disse uma estranha que se identificara como Fabiana, minha ex-amiga de colégio. Nem cheguei a perguntar sobre os outros 'três' casamentos, pois se o único casamento em que eu apostaria para dar certo, foi por 'água abaixo', imagine o resto. Foi o destino!

14 setembro 2008

Poesia - Vida Viva

Qual é a vida que vivemos? Nós vivemos a vida? Ou apenas passamos por ela? Nosso poeta discute este tema e nos exalta a viver a vida.

VIDA VIVA

A vida que ora falo
Não é a vida vivida,
Mas a vida viva,
Aquela que dá vida
Aos que têm vida
E não aquela que está morta
Naqueles que vivem sem ter vida.

A vida que canto é aquela que
Da luz aos radiantes
E como vaga-lumes
Parecem ter luz própria,
Magnetizando aqueles que
Com brilho a si tudo atraí.

A vida que proclamo é aquela que
Transforma o possível
E não teme o inevitável,
Pois paradoxalmente
A vida só se torna leve e viva
Com a certeza do seu próprio fim.


Maurício Granzinolli
mgran@urbi.com.br

Boogie Woogie - Adolescente sem Causa

Adolescentes são um perigo! Para as pessoas a sua volta, tanto para si mesmas. Esta é uma história da irresponsabilidade adolescente colocando à própria vida em risco por absolutamente nada de valor e as consequências para quem o ama.

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Renata viveu sua vida inteira no morro. Nasceu no Hospital Municipal Paulino Werneck e foi criada livre nas ruas do morro do Boogie Woogie. Lá encontrou seu primeiro namorado, perdeu sua virgindade e teve seu primeiro filho, o Renato. O pai, como é muito comum, desapareceu no mundo quando soube que seria mais um pai adolescente.
Renata criou seu filho enfrentando inúmeras dificuldades, sendo a principal morar na casa de seus pais junto com suas outras quatro irmãs. Apenas o irmão mais velho, Fábio, foi morar sozinho após servir no Exército. A casa era pequena e os atritos comuns. Piorando a cada filho que uma de suas irmãs acabavam tendo, escapando apenas a Heloísa, que muitos diziam ser 'Sapata'.
Dificuldade após dificuldade, Renata conseguiu superar os problemas e conseguiu criar seu filho sozinha, pois decidiu não mais casar, apesar de continuar tendo um ou outro namorado de vez em quando. Renato acabou sendo criado sem pai e sem uma figura forte ao seu lado, por este motivo, aparentemente, acabou sendo um 'desgarrado'. Uma espécie de rebelde sem causa, que gostava de viver livremente nas ruas do morro aprontando coisas de criança. Ficou irresponsável e não conseguia entender o significado da palavra: Conseqüência.
Quando fez quinze anos, este seu comportamento o colocou em problemas sérios. Tomou todas em uma festa na rua e começou a gritar que era do TC (Terceiro Comando), a facção que dominava o tráfico no morro naquela época. Ele gritava 'alto e em bom som' para todos ouvirem suas palavras. 'Tirava onda' com as meninas e chegou mesmo a 'passar a mão' em algumas delas, aproveitando a impunidade do medo de todos que não sabiam a verdade. A verdade... ele era apenas uma criança tola e estúpida, como todos os adolescentes são, querendo aparecer para o mundo sem ter nada de especial. Ele via a participação nesta facção criminosa como algo importante e digno de nota. Sua mãe ao saber do que fizera, o repreendeu, mas ele disse para ela 'não esquentar'. “Quem vai relar a mão em mim... um cara do Terceiro!” Vangloriou-se ao cair na cama e curar a ressaca do 'porre' que tomara.
Sorte não anda ao lado dos inconseqüentes! Uma semana depois o morro foi invadido e uma facção rival assumiu o controle do morro. Todos os membros do TC fugiram logo após os primeiros disparos. O morro estava sob nova direção. Um dos invasores bateu na porta de Renata e deu um ultimato para seu filho: “Some com ele daqui, senão vai dormir com as formigas!” Bateu o desespero, Renata e suas irmãs juntaram até o último trocado, tentaram encontrar o pai delas para pedir ajuda, mas este estava em outra cidade trabalhando de pedreiro. Procuraram o novo 'dono do morro', mas este foi irredutível e ainda ameaçou fazer algo com cada uma das 'bonitinhas' ali se o encontrasse na casa delas à noite.
O inconseqüente, ao saber do que acontecera, resolveu que iria enfrentar a 'parada' e não iria 'arregar' pra ninguém. Renata chorou e implorou para que ele fosse embora, mas ele não fez nada disso. Sumiu pelas ruas do morro e escondeu nas lajes que ele conhecia bem de 'soltar pipa'. Os novos proprietários do Boogie Woogie bateram na porta de Renata, que lhes implorou de joelhos que não fizessem nada com seu 'menino'. “É só um garoto tonto, não sabe o que diz!” Você daria atenção a estes pedidos? Muito menos eles! Seguiram em frente e bateram em portas, até que alguém 'dedurou' onde ele estava escondido. Foi bala para todo o lado. 'Sentaram o dedo' para cima dele, que percebendo a seriedade da sua estupidez, correu mais do que o 'Papaléguas'. Os cara do tráfico disseram que nunca viram alguém correr tanto e ainda se desviar das balas como ele. Penso eu, que foi apenas a falta de pontaria daqueles idiotas que se acham os 'reis da cocada preta', mas isto é tema para outra conversa.
Renato chegou até o Jardim e dormiu na praia embaixo de alguns barcos de pesca velhos. No dia seguinte, conseguiu falar para sua mãe onde estava e aceitou fugir. A mãe mandou ele para a casa de um antigo namorado que fora morar em Itaperuna. Foram quase seis anos sem ver o filho.
O morro passou por diversas mãos e até esteve livre do tráfico por um longo período, mas Renata nunca chamou o filho de volta. Lá em Itaperuna, ele terminou os estudos e até arranjou trabalho. Acertou a vida e estava se transformando em um homem. Renata nunca teve coragem de visitá-lo, pois temia que fosse seguida e acabasse levando seu filho à morte.
Após os seis anos, Renato decidiu por si que já não havia mais perigo. Achou que todos os que ouviram ele falar aquelas tolices impulsionadas pela 'cachaça' já não estariam no morro ou teriam morrido. Voltou, primeiro para a casa de uma tia e depois apareceu no morro para ver a mãe, as tias e as avós. Tudo correu bem nesse dia, ele ficou toda a tarde lá e só voltou para a casa da tia durante à noite. No domingo havia uma partida de futebol no Campinho da Vila Panamericana. Renato não falou nada para sua mãe e resolveu vir para o jogo e depois almoçar com ela.
Estava bebendo próximo ao campo, quando um dos garotos da facção rival, que estava passando, o viu. Era um daqueles que o perseguira. Não pensou duas vezes, resolvendo ganhar algum prestígio, foi até sua casa e apanhou uma pistola. Seguiu tranquilamente até o Campo da Vila e quando viu Renato conversando à beira do gramado, se aproximou, encostou o cano da pistola na cabeça dele, puxou o cão e atirou à queima roupa. Renato já chegou no chão morto e sem parte de sua cabeça, completamente deformado pela violência do disparo. Todos correram e o assassino saiu dali tranquilamente e feliz por ter 'ganho' algum respeito com seus camaradas. Renata foi avisada e nem pode ir ver o filho estirado no campo de várzea, coberto de lama e sangue. Desmaiou e teve de ser levada para o hospital. Ela nem ao menos pôde se despedir de seu único filho, perdido para a inconsequência adolescente.

31 agosto 2008

Poesia - Dormência

Enfrentar a dor e ter consciência dela é algo atormentador para qualquer pessoa. Lidar com este fato e sentimento é ainda mais difícil. Nosso poeta nos fala de sua própria batalha.

DORMÊNCIA

Calafrios percorrem pelo meu corpo,

Foge do meu andar o equilíbrio,
Estou atado por uma doce fragilidade
E açoitado pela loucura infinda.

Caminho por um horizonte negro
E como bola de fogo
Enxergo a outrora lua.
A loucura transbora sem aviso.

Cego, tateio uma segurança
Que sei inexistente,
Cada minuto de existência
Transforma-se numa incessante
Busca do fim,

Seja este o fim da tormenta,
Seja este meu próprio fim.

Maurício Granzinolli
mgran@urbi.com.br

Muleres que Amo - Trator

"Por trás de todo grande homem, existe uma grande mulher!" Esta afirmaçãó é clássica e bem verdadeira, na realidade. Mas nem sempre isto significa que funciona na vida real, este é um caso em que o 'tiro saiu pela culatra'.

É difícil entender! Marta sempre quis casar. Casar com o Ronaldo. Namoraram na adolescência e juntaram dinheiro após a Universidade, compraram uma casa perto dos pais dela e, finalmente, 'juntaram os trapinhos'. Tudo parecia estar ótimo, não? O sonho de Cinderela sendo realizado e tudo mais.
Alguns meses após o casamento, Marta começou uma campanha de mudança na aparência de Ronaldo. Primeiro, o corte de cabelo, depois as roupas e até mesmo o físico. O fez entrar para uma academia e cumprir uma pesada carga de exercícios, pois não queria um marido gordo e preguiçoso. No segundo round, ficou incomodada com o salário do marido. Ele tinha de ganhar mais, pois merecia muito mais. Eles mereciam muito mais. “Quando vier nosso filho, como vai ser?” perguntava ao atônito Ronaldo. Ele não tinha uma resposta, pensava em uma, mas não tinha coragem para expressar em viva voz o seu pensamento. Entrou em campanha por uma promoção, ao mesmo tempo que enviava currículo para as empresas concorrentes. Conseguiu!
Se transferiu para uma empresa concorrente e assumiu um cargo de chefia. Até aí, tudo bem. Tudo que Marta fazia era para o bem do marido e da família. Estava repleta de razão! Mas a cada mudança proposta ao marido, Marta não acompanhava a ascenção do marido, não evoluía. Assim, em pouco tempo, o marido e ela estavam criando um grande abismo entre eles. Ela começou a reclamar do tanto que fizera por ele e agora era assim que ele retribuía.
Ronaldo havia recebido inúmeras responsabilidades que não queria, que nem sabia se tinha capacidade de encarar. Precisava de alguém que pudesse ajudá-lo a enfrentar aquela nova situação e poder continuar crescendo, como era o desejo de sua querida esposa. Era incongruente, mas verdadeiro, Ronaldo precisava da ajuda de uma outra mulher que não sua esposa para continuar vencendo e avançando na vida. Esta ajuda veio de uma outra executiva que conheceu no novo emprego.
Procurou conselhos e dicas de como se sair bem em sua nova atividade. Passou a desabafar com ela, sobre os problemas e as crises em seu casamento, pois Marta não podia entendê-lo e muito menos ajudá-lo naquele novo aspecto de vida. A proximidade foi aumentando e a dependência, também. Ronaldo percebeu logo, que não haveria como escapar de um relacionamento mais íntimo com sua companheira de trabalho. Pesou, então, os prós e contras. Pensou em quanto amava sua esposa e optou por ela. Resolveu que pediria as 'contas' e voltaria para o velho emprego, onde o chefe disse-lhe que o aceitaria de volta. Preparou tudo e foi contar para a esposa, menos a parte de que acabaria dormindo com a executiva da sala ao lado.
Marta ouviu tudo e achou um completo absurdo! “Andar para trás! É coisa de retardado! Fracassado! De alguém sem amor próprio!” E mais alguns adjetivos que não vem ao caso aqui. Ronaldo tentou explicar detalhadamente o que estava acontecendo e o que estava sentindo. Falou até em se separar dela, caso continuasse na empresa. Marta ficou resoluta e o fez voltar atrás. No dia seguinte, Ronaldo desfez todos os preparativos e voltou ao trabalho.
No primeiro dia de retorno, tomou uma decisão ferrenha: não iria procurar sua amiga executiva! Iria evitá-la a todo custo e procuraria conselhos e um ombro amigo em sua esposa. Afinal, são marido e mulher. A primeira tentativa, até surtiu um efeito razoável, pois Marta o ouviu atentamente e tentou ajudá-lo, mas os conselhos dados eram os piores possíveis, já que nada tinham a ver com a realidade vivida por ele na empresa. Ficou indeciso e sem ação, acabando por piorar sua situação frente a chefia.
O aumento de problemas no emprego, o fez buscar, novamente, apoio na esposa. Ela não conseguindo ajudar e percebendo que, os conselhos que ela havia dado só pioravam a situação, mandou ele procurar alguém dentro da empresa para ajudá-lo. Não houve jeito, acabou voltando a ter um relacionamento de amizade com sua amiga executiva. A amizade extrapolou para um relacionamento mais sério e depois para um caso aberto, em que todos no escritório já sabiam.
Marta continuava a agir e a obrigar Ronaldo a evoluir. Com dinheiro extra, melhoraram a casa, o carro e os móveis. As roupas e os eventos que iam, também. Ronaldo passou, então, a levar sua esposa para os lugares que freqüentava com sua amante, no intuito de mostrar aquele novo mundo para sua esposa, como uma forma de compensar o que estava fazendo. Não funcionou! Marta não pertencia aquele mundo e sentiu até ofendida com os modos que era tratada quando saía com Ronaldo. O abismo se abriu ainda mais.
Houve uma festa de aniversário do principal executivo da empresa, Ronaldo levou a esposa, que não se relacionou com nenhuma das outras esposas e quis sair no inicio da festa. Brigaram! Ronaldo, então, fez o impensado para ele. Pediu a separação ali mesmo. Marta enlouqueceu e 'rodou a baiana'. Assim mesmo, nada adiantou e no dia seguinte Ronaldo fez as malas e foi para casa da amante. O mundo de Marta ruiu e ela pôs toda a culpa no fraco Ronaldo. Que finalmente, pôde ter uma vida sossegada longe da esposa trator.

24 agosto 2008

Poesia - Ainda

Existe peso maior do que a nossa própria cobrança. Nos carregar é algo extremamente difícil. Encontrar a solução para nos fazer feliz, é crucial na vida de qualquer um. Nosso poeta nos mostra o quanto o fardo é pesado.

AINDA

Singular espírito
Único na dor
A intensidade clama
Da vida o ardor.


Sol no deserto
Chuva em alagados
Lágrimas sobre o choro
Olhos que saem regados.


Escapa-me o sumo
Resta-me a sede
A existência pesa,
A cruz do meu cansaço.


Ecoa na minha alma
Palavras reticentes,
Frases incompletas,
Expressões não eloqüentes.


Espero com a luz
Que dentro de mim existe,
Estou morto para a luz,
As trevas em mim persistem.

Maurício Granzinolli
mgran@urbi.com.br


Boogie Woogie - Metal Pesado

Música, parece que todo mundo a ama... mas será verdade? Não acredito nisso. Acho que as pessoas gostam do 'evento música' e não da música em si. Sou um apaixonado por música e o grande responsável por isto é o Heavy Metal. Alguns perguntariam: Isto lá é música? eu digo só uma coisa: Ouça!

Quando meu pai comprou o primeiro aparelho de som lá de casa, nós só tínhamos dois discos, ambos do Roberto Carlos, de quem meu pai era um enorme fã. Sem opções, escutei aqueles dois discos até quase fazer um buraco nas faixas, na realidade, quem mais escutava os discos era eu. Meu pai, meus irmãos e minha mãe preferiam escutar o rádio, na maioria das vezes para ouvir os programas de notícias e de discussões dos mais diversos assuntos. Música não era um objetivo em si deles. Era o meu!
Sempre fiz bicos e desde que meu pai comprara o aparelho de som, decidi que juntaria uma 'graninha' para comprar outros discos. Sonhava em ter uma coleção de mais de 1,000 Lps dos mais diversos estilos. Sonhava em ter todo o tipo de música, até aquelas mais desconhecidas do mundo. Não tinha a noção da impossibilidade disso... mas queria. A primeira grana que juntei, decidi ir até o Centro do Rio para comprar algo, pois achava que meu bairro não teria nada de interessante, como era verdade.
Em uma sexta-feira, saí do Colégio fui até o morro e troquei de roupa. Falei para minha mãe que iria sair, mas não disse para onde e rumei para o Centro. Peguei o 324 Ribeira-Castelo e fui sonhando acordado com tudo que iria comprar. Meu objetivo principal era comprar alguma coisa dos Beatles. Meus ídolos até então. Quando cheguei lá, acabei me perdendo na maré imensa de discos que vi. Tinha de todo o tipo e formato, mas infelizmente meu dinheiro não esticava tanto. Percebi de cara, que só poderia comprar no máximo dois. Tentei procurar primeiro nas pontas de estoque. Havia muitos de discoteca, mas não era o que eu queria, pois já estava saindo de moda. Queria rock, por causa dos Beatles. Encontrei uma loja especializada na Rua São José. Havia coisas demais... escolhas demais... tipos demais. Percebi ali o quão pouco eu conhecia de música. Os nomes das bandas me davam idéias, as mais estapafúrdias possíveis. Até que encontrei um disco com uma capa que me chamou a atenção: “House of Holy”, do Led Zeppelin. Já havia ouvido falar do Led e conhecia umas duas músicas, mas no disco não tinha nenhuma delas. Fiquei em dúvida, tinha gostado mesmo da capa. Enquanto segurava o disco na mão pensando se o levaria ou não, minha atenção foi fisgada pela capa de outro disco. Era um disco de capa prateada, com fotos coloridas de uma banda no palco. O vendedor me disse que era um disco ao vivo. Não entendi! Para mim, todos os discos eram ao vivo, mas o vendedor me explicou o que significava. Fiquei fascinado!
A dúvida persistiu por um tempo, dei várias voltas no Centro e entrei em diversas lojas, tive até alguns discos dos Beatles na mão, mas aqueles dois não saíam do meu pensamento. Led Zeppelin e aquele outro ao vivo. O que escolher? Beatles! As capas deles não me 'pegaram'. Led Zeppelin, definitivamente. Era famoso, tinha músicas que eu conhecia e a capa era a mais bonita. Decisão tomada, fui até a loja decidido, segurei o disco na minha mão, mas em cima da hora troquei. Peguei o disco ao vivo: “Made in Europe”, de uma banda chamada Deep Purple. Não tinha a menor idéia do que queria dizer e muito menos o estilo de música, mas levei assim mesmo.
A viagem para casa foi excitante, não conseguia me agüentar de tanto tesão para ouvir minha nova aquisição. Infelizmente, cheguei em casa e já estava dando o Sítio do Pica-Pau Amarelo e começaria a novela das seis. Tentei convencer minha mãe a deixar escutar o disco que comprara, mas ela ficou irredutível. “Na hora da novela, não, senhor!” Fui dormir aquela noite apenas esperando a hora de levantar e ouvir o meu disco.
Acordei às 08:00 h da manhã e corri para a estante, liguei o som e preparei para colocar o disco para tocar, mas minha mãe me deu uma bronca enorme: “Isso lá são horas de acordar os outros.” Tive que esperar até dez horas. Meus irmãos acordaram e correram para brincar na rua, meu pai foi trabalhar e o beco ganhou vida com a luz do sol aumentando sua força. Então, finalmente, escutei! Era uma banda de metal pesado, Heavy Metal se preferir. Era ao vivo e nunca havia escutado nada igual aquilo. Os solos de guitarra me pegaram de todas as formas possíveis. O vocal era vibrante e forte. Tudo era novo diferente e... barulhento. Minha mãe ficou irritada nos primeiros acordes e pediu para diminuir o som da 'vitrola'. Algo que não fiz, pelo contrário, aumentei quase a explodir as caixas de som. Fiquei hipnotizado pela música.
O lado A do LP tinha apenas 3 músicas, bem diferente do disco do Roberto que tinha 7. Uma das músicas tinha mais de 12 minutos de duração e era interpolada por outra sem perder ritmo e harmonia. Fascinante. No lado B, descobri que existia um instrumento chamado balalaica, que era russo e usado para tocar uma música chamada Polka. Era a introdução de uma música que nunca mais sairia de meus ouvidos. Misturada a balalaica, havia um piano, um órgão Moog, Guitarras e Baixo, com um vocal irado. Era a minha música. Entrei para o grupo dos metaleiros. Minha vida mudou dali em diante, tanto musicalmente como no geral. O mundo se abriu para mim.
Enquanto o mundo era aberto para os meus sentidos, o morro iria se fechar. A música não era novidade apenas para mim, o morro inteiro nunca ouvira algo assim. Os primeiros comentários que era a música dos infernos, composta pelo próprio Satã em pessoa. Coisa de maluco ou retardado mental. “Ele vai ficar surdo ouvindo algo assim!” Fui transformado de um garoto inteligente em o ser mais estranho do morro. Todos diziam que eu estava possuído por alguma força do mal. Eu era maléfico! Era uma má influência para todas as crianças. Conclusão: fui incluído na lista negra de cada mãe e pai de família do morro. Ninguém queria que seus filhos andasse com aquele esquisito adorador do demônio. Foram até falar com minha mãe, que apesar de odiar aquela música, me deu todo apoio e mandou todo mundo 'pastar', para não dizer outra coisa.
Eu era apontado na rua e tinha gente que mudava de calçada quando me via. No início, pensei que tinha alguma doença contagiosa, depois pensei em até parar de ouvir o meu disco, para agradar a todo mundo e voltar a ser aceito nos meios sociais do morro. Qualé? Passei a ouvir, também, foi mais Metal Pesado: Black Sabbath, Led Zeppelin, AC/DC, Iron Maiden e tantos outros. Passei a tentar conhecer mais sobre aquela música segregadora, acabei descobrindo o progressivo, o blues, o soul e o jazz. Me afastando cada vez mais do samba e da MPB. Nunca aprendi a sambar, apesar de ter vivido quase toda a minha vida no morro. Fui rejeitado por minha escolha musical, então, rejeitei a deles.
A segregação acabou me ajudando a encontrar pessoas diferentes, de diferentes círculos, gostos, cores e pensamentos. A rejeição me ajudou a expandir meus conhecimentos e meu aprendizado sobre a vida. Minha segregação da sociedade dentro do morro foi uma benção. Uma transformação! Minha vida não poderia ter sido melhor sem o Rock Pesado das bandas de Heavy Metal.
Anos mais tarde, Rock in Rio, o primeiro, aconteceu. O rejeitado era o único do morro que conhecia alguma coisa do que iria se apresentar nos palcos do maior show da Terra. Ninguém sabia o que era um Iron Maiden, Whitesnake ou Yes. Ninguém conhecia o mundo, apenas as fronteiras do morro. Acabei escolhido para mostrar este caminho diferente a todos, que acabaram muitos seguindo pelos mais diversos motivos. De esquisito fui transformado em sábio, de um show para outro.

17 agosto 2008

Poesia - Sem Ar

Imaterial. Invisível. Pouco nos importamos com fatos e coisas que nosso principal sentido não pode detectar. Se não vemos, na maioria das vezes, acreditamos não ser verdade. O famoso São Tomé. Estes são versos que nos remetem a isto.

SEM AR

Ríspido sentido
Envolto em tenra aura,
Desejo infecundo
Translúcida vontade.


Limiar estreito
Que o acaso escolhe,
Conveniente surdez
Oportuna cegueira,


Amorfo plasma
Moldado pelos limites,
Estreitos limites...
Imóvel pasma.


Maurício Granzinolli
mgran@urbi.com.br

Mulheres que Amo - Não é o Bastante!

A vida é ingrata! Nunca estamos completamente preparados para enfrentar seus desafios e nunca conseguimos tomar as decisões corretas para nossas vidas. É impossível dizer, o que é certo ou que é errado a seguir em frente no seu dia-a-dia. Esta é uma estória de como uma decisão pode ter um peso imenso na vida de alguém, por mais correta que pareça.

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A vida é ingrata! Mesmo quando realizamos nossos sonhos, muitas vezes os perdemos no momento seguinte ou algum tempo depois. Devemos estar sempre preparados para tudo, pois a vida nos surpreende constantemente. Raquel descobriu isto da pior forma possível.
Estudávamos no mesmo colégio, quando estavámos na sétima série do primeiro grau. Éramos amigos e nos davámos muito bem. Gostava um bocado dela, pois apesar de ser uma gata, não era convencida e nem pendante. Sempre tratava todos com a mesma deferência. Ninguém era melhor que ninguém! Nem tampouco, pior. Ela levava muito à sério a frase: “Todos nós somos iguais...”, esquecendo o restante. Era alguém que, de verdade, merecia ser feliz.
Parecia que seria! Conheceu o Otávio naquele mesmo ano. O chamado “bom garoto”. Era o filho que toda mãe gostaria de ter como genro. Tinha futuro, era inteligente e de boa família, como se dizia antigamente. Depois de engatarem o namoro, ambos viviam em um mundo à parte, em que a população total era de dois. Não havia guerras, politicas, maldade e nem decepções.
A vida foi planejada a partir deste ponto: o momento que ambos se conheceram. Iriam terminar o Segundo Grau, entrar para Faculdade, arrumar um emprego e casar. Teriam três filhos, arremataram uma vez, quando brincávamos sobre o que queríamos ser na vida. Raquel disse uma frase que marcou muito: “Quero ser mãe!” Ela não falou que gostaria de ser médica e nem aeromoça, seu objetivo era ser mãe. Viver para os filhos e o marido. Tanto, que ao entrar para a Universidade, logo abandonou o curso, pois não estava satisfeita. Começou a trabalhar e a juntar dinheiro para o casamento. Enquanto isso, Otávio se formava e conseguia um estágio. Logo, foi contratado e passou a receber um bom salário. Casamento à vista.
A festa foi linda e simples. Sem estardalhaço e apenas com os melhores amigos presentes e alguns familiares. Iniciaram a vida em um pequeno apartamento alugado perto da casa dos pais dela. O pai dela foi o fiador para eles! Tudo perfeito! Mas ficou melhor ainda! Um ano depois, nasceu Elisabete, a primeira filha do casal. Era uma garota linda e perfeita em todos os sentidos. Se Raquel não queria estudar e nem trabalhar até aquele momento, agora a situação garantiu que não mais faria isso por muito tempo. Dedicou total concentração para criar a filha. Não, as filhas! Pois vieram mais duas nos cinco anos após o nascimento de Elisabete. Foram Maria Stuart e Vitória, todas rainhas inglesas, pois era assim que Raquel se sentia em relação às filhas. Era a sua súdita mais fiel.
A vida foi dura neste momento para o casal. Sustentar um apartamento alugado e criar três filhas com o salário de apenas um, não era tarefa fácil. O mês parecia nunca ter fim e nunca ter o suficiente para comprar tudo que suas rainhas precisavam. Os pais dele e dela ajudaram bastante. Ajudaram a criar, ensinar, cuidar e sustentar as meninas. Então, Otávio foi promovido e o sonho da casa própria se tornou realidade. Não só o da casa própria, fnalmente, Otávio pôde realizar o seu sonho: um carro zero, a prestação, é claro, mas era o seu carro zero. A vida parecia ter escrito o roteiro perfeito para a vida de Otávio e Raquel... mas nada no universo é tão simples assim.
Otávio bateu com o carro zero récem comprado. Entrou em coma e foi internado em um hospital particular. As notícias ruins não paravam aí, mesmo que ficasse vivo, ficaria tetraplégico. A vida desmoronou como um castelo de cartas para Raquel. Estava perdendo o amor de sua vida. O único homem com quem dividiu sua cama e seu afeto. O quê ela poderia fazer? Principalmente, o quê ela tinha de fazer?
Os meses de internação foram de total paralisia para Raquel. Não fazia mais nada, a não ser ir para o hospital velar por seu amor. Elisabete assumiu o controle da casa e das irmãs, dando alimento, roupas e as levando para o colégio. Os avôs maternos vinham ficar com elas à noite, até a morte do pai. Otávio morreu quatro meses após o acidente. Raquel ficou de luto mais uns dois meses, sem nada fazer de sua vida. Foram seis meses sem uma existência real para ela. Mas, infelizmente, a vida continua.
Contas chegam aos borbotões! Dívidas estavam acumuladas! Casa, carro, luz, água, colégio das meninas e até o supermercado. Raquel não tinha a menor idéia do que fazer. Eram atividades de Otávio e ela nunca se interessava por nada disso. Não sabia nem o número da conta bancária conjunta deles. Junto com Elisabete, reuniu tudo que tinha, sabia e fez as contas. Estavam falidas! Não podiam pagar a casa e nem as dívidas acumuladas. Usariam o seguro do carro para pagar as prestações restantes e venderiam o carro para o ferro-velho, pois não servia para mais nada aquele monte de lixo assassino. Raquel se recusava a tirar as meninas do colégio particular onde estavam. Decidiu, com ajuda de seus pais e dos pais dele: vender o apartamento e mudar para um menor e mais distante, que pudesse pagar com a indenização e o seguro de vida de Otávio. Mas isto não duraria para sempre!
Ela tinha que trabalhar! No quê? Não sabia fazer nada! A não ser... ser mãe! Conseguiu trabalho de babá, mas pagava muito pouco, comparado com as despesas da casa. Teve de fazer trabalhos extras e passou a ocupar todo seu tempo livre. Não mais podia cuidar da casa como a boa dona de casa que sempre fora. Elisabete assumiu seu lugar. Era ela quem cuidava das irmãs, da comida, das roupas. Amadureceu antes do tempo e Raquel nem pôde ver. Seu sonho de ser mãe estava se esvaindo.
Como o dinheiro não era ainda o suficiente para manter as meninas no colégio particular, pagar aluguel, alimentar e vestir todas elas. Raquel decidiu voltar ao colégio. Fazer cursos de especialização de nível secundário. Estudar e rever o seu segundo grau inteiro, que fizera sem avinco. Em suma, recuperar o tempo desperdiçado ao buscar um único sonho: o de ser mãe. Este mesmo sonho, agora, posto de lado.
Ela conseguiu! Descobriu que tinha aptidão para trabalhar com alimentos, etnão, se formou em engenharia de alimentos. Arrumou um emprego em uma grande empresa e conseguiu, finalmente, dinheiro suficiente para dar entrada em uma casa própria e tentar recuperar o tempo perdido ao lado das filhas. Mas... isto... não foi... possível, novamente. Elisabete estava grávida. Sua filha ia ser mãe. Ela, agora, era avó.

03 agosto 2008

Poesia - Depuração

As dores da mudança e da evolução convivemos todo o tempo e não percebemos, nosso poeta nos apresenta a ela.

DEPURAÇÃO

Verte agora a estancada seiva
Purulenta seiva que assim
A pústula a fez.


Vacilante ainda, goteja fraca,
Receosa do sol,
Receosa do ar.
Exala-lhe o odor
Clareia-lhe a cor
Purifica-se às gotas.


Encontra-se com a luz
Perde-se ainda num infinito mínimo
Surpresa com a vida,
Tonta com a liberdade.


Escorre serena
Progressiva seiva,
Depura-se sem pressa
Até que a clara linfa
Com ti há de se confundir.

Maurício Granzinolli

mgran@urbi.com.br

Boogie Woogie - Orelhão

Existem fatos que não conseguimos explicar como acontecem e nem porque, principalmente, quando as mudanças extinguem os motivos da existência de algo, até então vital para todos. Este é um caso destes.

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Furaram a calçada! Vários homens da CETEL, todos vestidos de amarelo, cercavam o buraco. Havia uma pequena caminhonete sem cobertura estacionada do outro lado da rua. Todos que passavam, tentavam dar uma 'espiadinha' para saber o que tanto mexiam aqueles homens de amarelo no chão. Terminado o buraco, foram até a caminhonete e retiraram algo grande de lá. Era amarelo, a cor da companhia de telefones, com uma haste de mais de metro e meio de altura. Um orelhão! O serviço levou quase todo o dia, pois era uma tal de mexer em fio para cá e depois para lá. Fios azuis, vermelhosa, brancos e pretos. Puxados do poste e do chão, até o cimento ser posto sobre o buraco e manter firme e erguido o orelhão.
Era o pioneiro! O primeiro orelhão do morro. Quase ninguém tinha telefone em casa naquela época, já que a posse de um telefone era um artigo de luxo, somente para pessoas abastadas. Um verdeiro investimento, valendo tanto quanto um carro, mas sem desvalorizar, pelo contrário. Acabado o serviço, a caminhonete e os homens de amarelo foram embora sem nada dizer a ninguém. Deixaram aquele orelhão em pé bem no cruzamento da Central com a Visconde Delamare. Um ponto central do morro, de fácil acesso para todos. A multidão logo se juntou para examinar o novo bem público exposto no morro. Os comentários eram os mais diversos possíveis. A grande maioria nem ao menos sabia usar o aparelho.
No dia seguinte, na venda do 'seu' Mozart surgiu uma placa amarela: “Fichas de Telefone: Cr$ 0,50 cada”. Fomos então apresentados as indefectíveis fichas cinzentas para usar no telefone. Tinham tamanho de uma moeda, apenas mais grossas e com umas ranhuras profundas no meio dela, sendo que havia nos dois lados da ficha. Todas eram iguais! Sempre me perguntei de que eram feitas, mas nunca soube e nem conheci ninguém que soubesse. Segredo! O Mozart ganhou muito dinheiro com elas, pois rapidamente o uso do telefone se tornou popular.
Dele, ligavam para os patrões para explicar porque não foram trabalhar ou para 'cantar' alguma menina que haviam conhecido. Às vezes, vendiam roupas e móveis por ele ou chamavam uma ambulância para atender alguém passando mal. Ele tinha 'mil e uma utilidades' para o morro. Descobriram que ele podia receber chamadas também. Então, marcavam um horário e ficavam esperando uma ligação acertada, como para saber a resposta para uma tentativa de emprego ou para saber a resposta de alguém sobre um determinado assunto. Ele fez a tristeza e a alegria de muitas pessoas do morro. Lembro bem, quando o Ricardo recebeu a notícia que seu filho nascera por ele. Chorou como um bebê, pois havia saído para trabalhar e não encontrara a sua esposa em casa quando voltara, então ligou para o hospital e soube que seu varão havia nascido saudável. Felicidade em 'dose cavalar', o pobre do Ricardo chorou como uma criança no meio da rua, sentou no meio-fio com as mãos no rosto e gritou bem alto: “Meu filho nasceu! Sou o homem mais feliz do mundo!” Saiu correndo e foi para o hospital ver sua família recém aumentada.
As fichas aumentaram o valor, mas o movimento não caía, ao contrário, sempre crescia muito mais. Havia dias em que o Mozart não conseguia repor na mesma velocidade que o consumo. Assim, surgiram os seus concorrentes e a venda de fichas de telefone se espalhou por todo o morro. Ninguém mais ficaria sem ligar. O movimento era tanto, que a Cetel, aproveitando a estrutura instalada e colocou um irmão gêmeo amarelo no lugar. A partir de então, as filas tão comuns, desapareceram e todos ficaram felizes com a novidade. Apesar de muitos não gostarem de conversar no orelhão quando havia outra pessoa esperando. Era porquê a pessoa podia ficar bisbilhotando o assunto alheio. Sabe como é que é, quem não ama uma fofoquinha de vez em quando? Assim mesmo, foi um grande sucesso, ajudou e muito as coisas no morro a melhorarem. Foi uma das ações sociais de maior impacto que eu já presenciei lá. Até eu usava o orelhão de vez em quando para conversar com o pessoal do colégio!
O tempo passou e novos orelhões foram instalados no morro, mas o orelhão da Central sempre foi o favorito do morro. Todo mundo usava e até o local onde ele estava instalado ganhou o apelido de: “Praça do Orelhão”, apesar de não haver praça nenhuma lá. O Mozart foi o mais beneficiado por isso, pois seu bar era ao lado do orelhão e, além da venda de fichas, ele podia vender bebidas e outras coisas mais para quem esperava sua vez de telefonar. Negócio que ia de vento em popa. Virou até ponto de referência para quem entrava no morro. Qualquer pessoa quando comprava um móvel na Ultralar do Cacuia, dava o orelhão da Central como referência para a entrega. Passou a fazer parte da vida de quase todo mundo que morava por ali.
Então, quando a CETEL virou TELERJ e depois foi privatizada, começou o boato de que começariam a vender 'telefones' para serem instalados no morro. Muita gente dizia que aquilo era mentira e outros falavam, que ninguém teria condições de comprar, pois um telefone era mais caro que uma casa no Campinho, o local mais caro dentro do morro. As especulações eram tantas e tamanhas, que nada escapava e todos diziam: “Para que preciso de telefone em casa, tem o Orelhão da Central pra gente!” Tratavam-no como uma entidade que tivesse vida e personalidade. Houve até o caso do bêbado “Pudim de Cachaça” que dormia sob ele, mas antes tinha um papo animado com o orelhão, explicando as mazelas da vida que o levaram-no a 'encher o pote'.
Houve então o cadastramento dos moradores para a compra do telefone. Seria, um aparelho por casa e somente um. Mas as coisas atropelaram os eventos na velocidade da luz. Após a privatização, os telefones começaram a ser instalados do dia para noite. Houve casas, como a minha, que foram instalados dois aparelhos. De repente, mais de 50% das residências do morro tinham aparelho. No entanto, o 'amarelinho' da Central permanecia intocável e útil. Muitos continuavam a usá-lo como forma de conexão com o mundo externo. Saíram as fichas de circulação e substituíram pelos cartões telefônicos.
Mas as mudanças continuaram de forma acelerada. Inúmeros orelhões foram instalados por todo morro, na Vila Panamericana, na Visconde Delamare e no Campinho. Os telefones não paravam de chegar as casa dos moradores e o preço dos cartões subia muito rapidamente. A 'pá de cal' foram a popularização dos celulares. No início, o preço absurdo cobrado por eles, ainda tornava o uso restritivo, mas a criação dos celulares pré-pagos, foram uma revolução para classe D e E do Brasil, principalmente, nas favelas. De repente, todos tinham celulares. Até os adolescentes recebiam de seus pais celulares como presente de aniversário ou de Natal. Os orelhões, finalmente, começaram a ser esquecidos. O da Central começou a encher de poeira. Roubaram o aparelho e depois os cabos. A Oi até instalou novos, agora na cor azul, mas não durou muito. Ninguém os usava e agora eram murais para os anúncios mais esdrúxulos, como o da 'Ritinha', um travesti que fazia programas no Jardim Guanabara. Foi o fim, quando em um tiroteio entre gangues rivais, acertaram mais balas nele do que um no outro. O orelhão caiu e ficou dias jogado na Central. Lá no chão, esparramado e destruído... sem uso. O fim de uma era. A única coisa que sobrou daquele tempo, foi o nome do lugar: Praça do Orelhão, continua até hoje.